sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Capítulo Primeiro - no Nono.

este é o nosso bairro, o Nono

para este lado a Opéra Garnier, a Madeleine e os Campos Elísios...

para este a Gare du Nord e o Bassin de la Villette.

esta é a nossa rua, deve o nome a uma marquesa dos setecentos que se enfiou num convento aqui perto e era muito boazinha com os desgraçadinhos e escreveu umas coisas e tal...


esta é a nossa estação de metro: Cadet (linha rosa claro)

aqui no bairro temos para todos os gostos: igreja católica (Notre Dame de Lorette),

sinagoga (rite portugais),

sede da maçonaria (Grand Orient),

e delegação do PCF (Front de Gauche e Gauche Européenne).

dalgumas ruas também se vê o Sacré Coeur (que a mim me lembra sempre a Comuna)

aqui é a garderie da Madalena (onde ela trabalha afincadamente 1 manhã e 1 tarde por semana) e uma das bibliotecas do bairro, a Drouot

este é o jardim da Square de Montholon, onde a Madalena vem ver os colegas a saltar que nem macacos nos baloiços (ela ainda não tem tamanho)

no jardim há uma escultura à operária parisiense, o que agrada especialmente à Sónia

esta é outra biblioteca cá do bairro, a Valeyre, que é mesmo ao lado da nossa casa

este é o nosso posto de Correios, na rue Lebas, donde eu vos mando cartas

também temos, claro, um MacDonalds e um Starbucks, lado a lado, que é para os turistas americanos não se perderem

este é o quiosque onde às quartas eu compro o Charlie Hebdo, todas as quartas em que o Charlie não goza com o profeta, porque o senhor do quiosque é um bom muçulmano e nas semanas em que o Charlie goza com o profeta não o vende

só para não pensarem que o Charlie passa a vida a pegar com os muçulmanos, esta semana foi a vez dos católicos ("les cathos") à conta do casamento para todos, para quem não está a ver o Monsenhor Vingt-Trois é o arcebispo de Paris (líder informal da oposição ao projecto de lei)

esta é a obra onde só se pragueja em português (entre tugas, cabo-verdianos e brasileiros dominamos)

o supermercado kosher

o café gerido por duas chinesas de Macau (mãe e filha) onde eu vou comprar tabaco

o café de esquina onde eu não vou porque é demasiado bonitinho e está sempre cheio de alemães a beber cerveja (seja que hora for do dia, os gajos gostam de cerveja)

este é o café da nossa rua onde eu ia e deixei de ir porque o raio da velha é uma reaça de primeira (só lê o Le Figaro) e teve o topete de se vir queixar dos estrangeiros a mim (que nem francês tenho que chegue para a mandar à fava)

é aqui que vou beber café agora, que é um restaurante todo "posh" mas deram-me café da primeira vez que o pedi ao balcão e agora têm de levar comigo sempre, ainda por cima dão-me um copo de água e o moço é simpático e a música é quase sempre boa e isto tudo só por €1 (que é barato pelos padrões do bairro, na velha reaça ou nas chinesas é €1,40 por exemplo)

este é um nosso vizinho da rue de Chantilly que está em conflito com a Mairie por causa da atribuição das casas camarárias e enche o bairro de prospectos homemade e vandalizou os cartazes todos das eleições com bigodes e corninhos em todos os candidatos

esta é a velha loja de BD cá do bairro, junto ao jardim

esta é a nova loja de BD (onde eu saco as revistas das editoras para a Madalena rasgar e mastigar)

esta é outra loja de BD (mais comics e manga)

esta é a livraria da nossa rua (onde nunca compramos nada, mas sorrimos sempre ao senhor enquanto espreitamos a montra)

este é o Chez Cali na nossa rua também, fruta, artesanato magrebino e tabaco super-facturado por debaixo do balcão, o moço que lá trabalha é um clone (versão berbere) do Bruno de Mação

esta é a nossa padaria onde nunca pedimos baguette mas sim "la maubeuge", que é versão "artesanal" que é melhor, também tem bolos, mas são aquelas mariquices exageradas que os franceses comem, a única coisa que se aproveita é a tarte normande!

este é o nosso supermercado de serviço, onde trabalha o Sr. Costa (o marido da nossa porteira), à porta está, como sempre, o "Zebra", o clochard aqui do pedaço, grande apreciador de whisky barato, salada de fruta de pacote e de se despir nas manhãs arejadas de Outono

este é o boteco onde eu vou comprar naan quando a Sónia faz caril

esta é a passagem Briare, que liga a nossa rua à Maubeuge, grande espaço para a arte urbana e a mijadela clandestina

este é o nosso prédio, ou melhor a frente do nosso prédio, que nós vivemos no pátio, na frente são os ricos e os Artisans du Monde

a caixa do código, porque os parisienses são malucos e ainda não descobriram as campainhas para casa das pessoas

a nossa caixa do correio

a passagem para o pátio, à direita vivem os da frente, nós é lá ao fundo

o nosso pátio, e por cima as nossas janelas da sala

as escadas, a placa diz "limpem as patas, sff"

a nossa porta

o mordomo que nos recebe à porta

entrada directa para a cozinha/casa-de-banho e refeitório do gado

sob os auspícios do sul-americano com aparelho nos dentes

a nossa parte na decoração, o gato da Olympia foi prenda dos meus irmãos quando foram ao d'Orsay, a sardinha não sei como é que veio cá parar, mas mais tuga só um zé povinho a mangar

outros dois bibelots da nossa contribuição

a sala

e o seu tecto tromp l'oeil (não é tudo humidade)

o escritório (que é como quem diz, o canto da sala que não se vê na primeira fotografia)

o quarto (notem como alguns bibelots seguem a máquina)

a Sónia tem (finalmente) uma mesa de cabeceira

eu também, quase

a instalação da senhoria

o corredor a que chamamos casa-de-banho

vista da cozinha

pátio 1: a casa da dona Madalena e do sr. Costa

pátio 2: a frondosa vegetação cagada pelos pigeons

pátio 3: os escritórios dos Artisans du Monde

pátio 3 b: pormenor dos escritórios dos Artisans du Monde: o careca, grande e infatigável trabalhador, quando eu acordo já lá está, quando vou jantar lá continua, vem aos sábados, faz noites e almoça no posto de trabalho com um paninho em cima dos joelhos; o raio do homem tem uma produtividade que até mete nojo... se o Gaspar o descobre manda-o clonar e substitui-nos a todos

pátio 4: a nesga que dá para o pátio da garderie da Valeyre, os putos fazem sempre barulho, ainda mais no dia que os deixam andar de triciclo

pátio 5: a nossa parte de céu.


1 comentário:

  1. Que belas vidas...
    Mais um, qual Sócrates, que dá à sola para ir de férias ad eternum para Paris...

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